Embalagens e bicicletas. Tudo a ver.
0Embalagens e bicicletas são incapazes de provocar acidentes, lotar praias ou rios, emporcalhar cidades ou transgredir regras. Mas além disso, o que mais esses produtos têm em comum? Artigo de Hermes Contesini*.
Moro numa cidade pequena do Grande ABC, cercada de São Paulo por (quase) todos os lados.
Como em muitos outros lugares, a bicicleta vem sendo bastante privilegiada, com ciclofaixas exclusivas e pistas inteiras fechadas aos domingos nas principais vias. Tudo bem até aqui. Tudo bem, também, que as leis e regulamentos de trânsito beneficiem as bicicletas; de fato, elas são mais frágeis que motos, carros, ônibus e caminhões. O problema é que muitas dessas bicicletas resolvem não respeitar nada: faixa de pedestres (que não são respeitados sequer nas calçadas), semáforos fechados, suas próprias ciclovias, andam pela contramão, invadem pistas não reservadas, ignoram sinalização em geral – mesmo aquelas feitas para as bicicletas.
Obviamente não sou contra bicicletas, pelo contrário: temos as nossas em casa – e apreciamos a sensação de segurança que faixas exclusivas proporcionam. No entanto, a atitude temerária das bicicletas acaba provocando alguns conflitos e acidentes. Muitos fatais, infelizmente.
Normalmente pensamos no meio ambiente sendo contaminado por embalagens descartáveis, mas na verdade ele é contaminado pelas atitudes dos consumidores
Embalagens são similares a bicicletas num ponto: existem regras de uso para ambas. No caso das embalagens (inclusive aquelas que envolvem bicicletas) as empresas fabricantes de bens de consumo têm de garantir seu fluxo reverso. Para isso, os consumidores, verdadeiros donos das embalagens vazias, devem encaminhá-las para pontos de coleta seletiva ou entrega voluntária.
Necessariamente, embalagens devem ser recicláveis e recicladas. Ainda assim, vemos uma quantidade enorme de embalagens desrespeitando todas essas determinações, acomodando-se em lugares destinados a outros tipos de resíduos, bueiros, lixões a céu aberto ou aterros controlados, rios, mares e oceanos (esse, o destino da moda).
Bicicletas e embalagens tem mais um fator em comum: por si só, são incapazes de provocar acidentes, lotar praias ou rios, emporcalhar cidades ou transgredir regras. Para que isso aconteça, é necessário e imprescindível que o vetor chamado consumidor aja. Ele vai ao mercado, adquire produtos e os usa, descartando as embalagens de forma indevida. Assim, o ambiente vai sendo contaminado pelas atitudes dos consumidores e não pelos produtos em si – os tais resíduos sólidos urbanos.
Parece que há certa timidez em abordar o assunto. Afinal, foram décadas a fio ensinando a consumir. Abrir uma embalagem e consumir. Melindrar os chamados Shoppers, dando a eles o trabalho de separar resíduos, pode ser um tiro no pé… Assim como no caso dos ciclistas, que receberam direitos sem receber a devida informação sobre seus deveres na mesma proporção, os consumidores dos produtos embalados, envasados, acondicionados, frequentemente destinam suas embalagens aos lugares errados, inconscientes das suas obrigações.
O bom senso geral seria um bom remédio, mas não é exercido, pois o tal consumidor é um ser mimado: basta colocar aquilo que não tem mais utilidade para fora de casa e tudo desaparece, como num passe de mágica. Vira lixo. Caso exista coleta seletiva, não há punição para quem descumpra as regras de disposição dos resíduos. E la nave va…
Sem abordar o consumidor de forma mais incisiva, nenhum projeto, legislação ou sistema de coleta seletiva (alô municípios que ainda não cumprem a lei 12.305/10, a Política Nacional de Resíduos Sólidos) poderá resolver o que se convencionou chamar de “problemas causados pelas embalagens”. Afinal de contas, nem embalagens, tampouco bicicletas, são realmente culpadas pelo descaso geral que sofrem – a despeito dos benefícios que ambas efetivamente trazem.
*Hermes trabalha há 40 anos em comunicação. É fotógrafo, articulista, palestrante e autor: Adaptou Amar, Verbo Intransitivo, de Mario de Andrade, para o teatro; é autor do romance histórico Heranças da Alma.
Especialista em comunicação ambiental, ministrou aulas de Reciclagem na UFRJ, no Instituto de Embalagens e para cooperativas de catadores. Realizou mais de 500 palestras sobre embalagens e reciclagem. Trabalhou pela Lei da Politica Nacional de Resíduos Sólidos e teve participação ativa na construção do Acordo Setorial de Embalagens, que determina as obrigações ambientais dos fabricantes de bens de consumo.
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