Embalagem: existe uma ideal para o meio ambiente?
0É bastante comum que o consumidor consciente fique em dúvida no momento da compra. Ele se vê bombardeado de informações muitas vezes conflitantes e se pergunta qual produto levar. Pondera sobre as caraterísticas de cada um conforme o uso que fará. É sabido que um produto e sua embalagem formam uma coisa só na mente do consumidor. Vamos separá-los por um momento para observar a embalagem mais de perto…
Artigo de Hermes Contesini*.
Diante de uma infinidade de opções, simplifiquemos a questão assim: ao adquirir uma bebida, qual embalagem escolher, caso haja a opção entre vidro e plástico? Latinhas de alumínio também são opção, mas têm índice de reciclagem em torno dos 98% e alto giro no mercado de sucata. Por isso mesmo, raramente são encontradas nos pontos de destinação para reciclagem ou mesmo no lixo. Vamos deixá-las fora deste exercício. Já as garrafas plásticas e de vidro têm índices de reciclagem similares, valores mais baixos no mercado de sucata e são encontradas com mais frequência em locais indevidos – embora isso seja culpa de quem as usou e nunca delas próprias.
O consumidor raramente pensa em outra coisa que não seja a sua imediata e momentânea satisfação. “Estou com sede e preciso beber agora”. “Vou reunir a família no fim-de-semana”. “Quero uma bebida para acompanhar a refeição”. Não, ele não se preocupou com o descarte do resíduo resultante dessa necessidade, por mais importante que isso seja. Na verdade, o consumidor em geral nem sabe que tem por obrigação encaminhar seus resíduos de embalagem de modo que o Fluxo Reverso aconteça.
Fluxo reverso é o caminho que a embalagem usada faz de volta ao processo produtivo através da reciclagem. E o primeiro passo é sempre do consumidor
O meio mais eficiente de realizar o fluxo reverso é através da coleta seletiva de resíduos. Dessa forma podem ser coletados grandes volumes de material, necessários para a viabilidade econômica da atividade recicladora. Embora a coleta de resíduos sólidos urbanos seja uma tarefa municipal, o resultado desse trabalho pode ser potencializado através de diversas parcerias, resultando na venda dos resíduos para a indústria recicladora. Mas, infelizmente, segundo dados do Compromisso Empresarial para a Reciclagem, o CEMPRE, apenas 22% dos municípios brasileiros possui algum programa de coleta seletiva – embora essa seja uma obrigação prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos. Pior ainda, apenas 17% da população é atendida por sistemas de coleta seletiva. Alô Prefeitos!
Torna-se muito difícil reciclar algo que foi deixado ao léu, jogado na rua, nas praias, cursos d’água etc. Então vamos fazer de conta que o consumidor foi plenamente consciente de sua responsabilidade cidadã e levou sua embalagem até um ponto de entrega voluntária, ou colocou junto com outros materiais para a coleta seletiva (onde existe). As embalagens foram devidamente separadas e encaminhadas para a reciclagem. Pronto! Parece simples, mas não é…
O conceito de reciclagem já foi interpretado e reinterpretado muitas vezes. A ideia aqui não é conceituar nem detalhar o processo, mas podemos resumi-lo dizendo que é o reaproveitamento da matéria-prima utilizada na fabricação da embalagem. Ou seja, reciclar, de cara, evita a extração de recursos naturais. E isso significa muita coisa, como veremos mais abaixo. Outra questão importante: matéria-prima reciclada sempre leva consigo toda a energia usada para a fabricação do produto original, reduzindo sobremaneira a demanda energética para o produto seguinte. Além disso, imagine quanto espaço é economizado em aterros sanitários. Só isso já é um problema ambiental grave, especialmente quando “aterros” são, na verdade, lixões a céu aberto. Há outros benefícios de ordem econômica e social, mas o assunto hoje é ambiental.
Retomando, precisamos decidir sobre a embalagem da bebida, então, como seria o desempenho ambiental de cada uma das opções? A resposta é complexa, mas vamos observar alguns quesitos que são comuns a qualquer material de embalagem.
Garrafas de vidro recicladas viram garrafas de vidro novas e perfeitas. Totalmente aptas para recomeçar
Foi citada acima a extração de matéria-prima. O vidro usa uma composição de materiais com aproximadamente 70% de areia. Mas não é qualquer uma: trata-se de areia para uso industrial, que, entre várias outras coisas, serve para a produção de vidro, embalagens inclusas. Conforme o Departamento Nacional de Produção Mineral, o vidro é o segundo maior consumidor dessa areia industrial extraída da natureza. Por outro lado, o PNUMA (braço das Nações Unidas para o meio ambiente) diz que a extração de areia perde apenas para a de água, ou seja, é muita coisa (entre 40 e 50 bilhões de toneladas anuais no mundo). O mesmo órgão alerta para a degradação ambiental, especialmente nas áreas marinhas e ribeirinhas, onde o estrago é maior por afetar também os biomas locais.
As matérias-primas são devidamente misturadas e fundidas. Basicamente areia derretida. Esse material incandescente cai como uma gota (do tamanho da embalagem final) sobre um tipo de molde e é soprada, inflada no formato definitivo da embalagem.
A reciclagem mostra-se fundamental, pois a proporção de areia utilizada para fabricação de vidro pode cair para zero quando é utilizado o material recuperado, isto é, cacos de vidro, parecidos com aqueles que sobram quando você derruba um copo. Em outras palavras: a extração de areia (bem como dos demais ingredientes) poderia ser drasticamente reduzida.
Com vidro reciclado é possível produzir novas embalagens virtualmente idênticas em aspecto, qualidade e reciclabilidade àquelas feitas apenas com matérias-primas virgens. Reciclagem do vidro tem ciclo infinito. Mas chegar lá é difícil. A sucata de vidro é pouco valorizada no mercado e seu preço oscila bastante entre localidades. Conforme o informativo do CEMPRE a tonelada de vidro vale de R$50,00 a R$180,00 dependendo da região, o que pode inviabilizar seu transporte. Dessa forma, os índices de reciclagem estão estagnados há algum tempo em torno dos 47%.
Embalagens de vidro sofrem também com a pirataria. Garrafas de diversos produtos são criminosamente reaproveitadas para o envase de produtos falsificados. Pior: caso uma embalagem seja recuperada com seus rótulos e embalagens secundárias seu valor sobe muito (por exemplo, um perfume, ou um whisky, pode vir em uma caixa de outro material envolvendo o vidro, como num estojo). Isso lesa os consumidores desavisados, alimenta uma indústria criminosa e desvia garrafas e frascos de vidro da reciclagem. Dica: ao finalizar o consumo de seu produto embalado em vidro, procure descaracterizar o frasco da maneira que for possível, rasgando rótulos, danificando tampas e caixas e a própria embalagem. Enfim, fazendo o que puder para evitar o desvio da embalagem vazia.
Garrafas plásticas viram garrafas de novo. Mas são versáteis e podem ser transformadas também em inúmeros produtos diferentes
O plástico usa um derivado do petróleo, a nafta, que por sua vez dá origem aos insumos que serão usados na fabricação de vários tipos de resinas sólidas, comercializadas em grãos. Parte dessas resinas pode ser produzida a partir de fonte vegetal renovável, mas essa técnica ainda não alcançou volume significativo no mercado.
Há alguns métodos diferentes para a produção dos diversos tipos de embalagens plásticas, mas em geral as resinas são derretidas e sopradas como bexiga num molde para adquirir a forma final da embalagem.
A extração de petróleo não precisa remover montanhas, mas quando ocorrem vazamentos, especialmente na exploração marítima, a catástrofe é terrível. A geração de gases diversos durante a produção dos insumos, desde a refinaria, é importante, mas o principal efeito do uso do plástico é visualmente constatado. A quantidade de embalagens indevidamente descartadas é enorme e ocupa grandes espaços nos aterros sanitários. Imagine que uma garrafa vazia de três litros tampada é uma bolha de ar de três litros sob a terra. Agora imagine milhões delas, literalmente ali embaixo. Pior, a quantidade de embalagens plásticas boiando por aí é gigantesca.
Novamente temos a reciclagem como fundamental, já que essas embalagens deixam de ocupar espaço dos rejeitos que precisam realmente de um aterro, cuja vida útil é assim multiplicada.
O processo para o reaproveitamento do plástico passa por diversas etapas. Há vários tipos de plásticos diferentes e uma quantidade quase infinita de cores. Tudo isso tem de estar devidamente separado: por tipo de plástico e, dentro dos tipos, por cor. Em alguns casos, mesmo embalagens que tenham a mesma cor precisam estar separadas por produtos. Por exemplo, não se deve misturar embalagens de produtos oleosos com garrafas de água, suco ou refrigerante, por exemplo. Também é indispensável que estejam prensadas e enfardadas. Tantas exigências acabam requerendo estruturas que encarecem o trabalho. Segundo o CEMPRE, sucata plástica vale entre R$700,00 a R$3.000,00 por tonelada. O bom valor no mercado de sucata viabiliza o transporte de grandes quantidades. Por outro lado, a extrema leveza versus o grande espaço que as embalagens de plástico ocupam dificulta o trabalho manual, tantas vezes requerido no setor da reciclagem.
Plásticos em geral são reciclados e transformados em novos produtos, ou embalagens, com relativa facilidade. Há pesquisas para o desenvolvimento de embalagens de plástico reciclado visando seu uso na indústria de alimentos, mas o plástico do tipo PET, especificamente, é o único já aprovado para contato com alimento. Isso é bom, mas são processos bastante exigentes e caros que aproximam (e até superam) os valores do produto reciclado de um fabricado com materiais virgens. O diferencial desse material está na diversidade de artigos produzidos a partir das garrafas recicladas, mesmo em processos mais simples e menos caros. Apesar disso, as taxas para reciclagem de PET oscilam há algum tempo ao redor de 50%. Plásticos em geral reciclam 26%, número significativo, já que estão nele incluídos os produtos equiparados às embalagens e geralmente encaminhados equivocadamente para o lixo comum (como copos, pratos e talheres descartáveis, por exemplo). Isso parece demonstrar que, embora seja viável técnica e economicamente, a reciclagem das embalagens plásticas ainda esbarra em dificuldades logísticas.
A ACV, ou Análise do Ciclo de Vida, é indispensável para avaliar com precisão os impactos ambientais de uma embalagem
Será possível responder à pergunta-título? Dificilmente. A embalagem ideal é aquela que faz o que deve fazer: proteger um produto até que seja entregue ao consumidor, proteger o consumidor com a segurança de um produto em perfeitas condições, proteger o meio ambiente através da sua reciclabilidade. Ademais, ao utilizar apenas materiais plásticos e vidro descartáveis para ilustração, este artigo de forma alguma encerra o assunto, apenas instiga o leitor para que busque mais informações. Tampouco se pretende comparar materiais ou embalagens, já que para isso seria necessária uma Análise de Ciclo de Vida completa. Estamos muito, muito longe disso no Brasil. Assunto para outro artigo.
Uma coisa é certa: sem as embalagens protetoras, o desperdício de alimentos e outros produtos seria tão grande que seus impactos sobre o meio ambiente seriam maiores que a produção de embalagens. Portanto, consumidores devem usá-las com bom senso, responsabilidade e educação. Empresas devem desenvolvê-las com a sustentabilidade ambiental na ponta do lápis. E as prefeituras, bem, essas ainda não fazem muita coisa.
Serviço:
Para informações mais detalhadas sobre a produção e reciclagem dos materiais citados, visite as páginas de onde muitas das informações deste artigo foram extraídas:
www.abralatas.org.br
www.abipet.org.br
www.abividro.org.br
www.abiplast.org.br
www.cempre.org.br
Fotos por Hermes Contesini
*Hermes trabalha há 40 anos em comunicação. É fotógrafo, articulista, palestrante e autor: Adaptou Amar, Verbo Intransitivo, de Mario de Andrade, para o teatro; é autor do romance histórico Heranças da Alma.
Especialista em comunicação ambiental, ministrou aulas de Reciclagem na UFRJ, no Instituto de Embalagens e para cooperativas de catadores. Realizou mais de 500 palestras sobre embalagens e reciclagem. Trabalhou pela Lei da Politica Nacional de Resíduos Sólidos e teve participação ativa na construção do Acordo Setorial de Embalagens, que determina as obrigações ambientais dos fabricantes de bens de consumo.
Entre em contato pelo e-mail hermes@enquadro.etc.br