A tia do lixo e o greenwashing
0Greenwashing ocorre quando uma organização investe mais alegando ser “verde” por meio de publicidade e marketing do que realmente implementando práticas que minimizam o impacto ambiental. A “maquiagem verde” pode estar mais perto de você do que imagina. Acompanhe o artigo de Hermes Contesini*.
Estive com colegas num shopping bacana, localizado numa região bacana de São Paulo. Foi por causa do trabalho: fugimos do rodízio e parei ali. Para quem não sabe, na cidade de SP há dias e horários nos quais não podemos andar de carro, conforme a placa do veículo (o tal do rodízio) . Claro que estávamos famintos.
Cada um escolheu o que era de sua preferência: lanche para uns, comida de verdade para outros. Na mesa, pratos, garrafas de água e de suco, latinhas idem e copos. Esses, descartáveis e recicláveis. Tudo certo com relação às embalagens: identificadas em seus materiais e tipos, com indicações adequadas para destinação e reciclabilidade. Mania de ficar observando esses detalhes adquirida ao longo dos anos no setor.
É bom passar uma imagem “ambientalmente correta”. Só que não! Isso é greenwashing. Uma espécie de maquiagem verde
Como tudo que é bom acaba, aquela refeição chegou ao fim (a sopa no pão italiano crocante estava deliciosa). Levei algumas das embalagens, talheres e meu prato ao ponto de devolução, junto aos contêineres de lixo. Uma senhora solícita os pegou para identificar itens de cada restaurante. Agradeci e pedi licença para alcançar o recipiente destinado aos recicláveis.
–Ih, moço. Não adianta separar. Vai tudo pro lixo mesmo.
–Mas não está sendo separado?
Uma risadinha de cumplicidade como resposta. Agradeci novamente, insisti na separação e fui embora inconformado, pensando comigo sobre o investimento nos contêineres, comunicação sobre a seletividade de materiais recicláveis e alguma orientação sobre o assunto para funcionários e clientes. Tudo em vão. Será?
Com o raciocínio voltado para a reciclagem, não compreendi a princípio. Depois virei o botão e usei a parte do cérebro voltada para marketing: agora faz sentido!
É bom passar ao seu público uma imagem “ambientalmente correta”. Mas não assim: chamo isso de greenwashing. Dá impressão de ser o que não é. Vende uma imagem falsa ao consumidor – que não tem motivos para duvidar do que está sendo anunciado ali. Infelizmente, isso ainda existe.
Usando um clichê para comparar, é a negociação perde-perde: perde o meio ambiente em si. Perde a atividade recicladora geradora de emprego, renda e benefícios ambientais. Neste caso, perde também a imagem do Shopping, já que esse tipo de truque não passa despercebido por muito tempo.
E, assim, perde a educação ambiental, para a qual não vemos tanto esforço quanto deveria ser feito. Consumidores que perceberem o truque serão “deseducados”, duvidando da seriedade das iniciativas e efetividade da reciclagem em si. Assim, “em prol do meio ambiente”, vão surgindo as ações, as leis e os consumidores intitulados “conscientes”: a partir de falsas premissas, desinformação e engano.
Agradeço à tia do lixo, que fez a gentileza de me alertar.
*Hermes trabalha há 40 anos em comunicação. É fotógrafo, articulista, palestrante e autor: Adaptou Amar, Verbo Intransitivo, de Mario de Andrade, para o teatro; é autor do romance histórico Heranças da Alma.
Especialista em comunicação ambiental, ministrou aulas de Reciclagem na UFRJ, no Instituto de Embalagens e para cooperativas de catadores. Realizou mais de 500 palestras sobre embalagens e reciclagem. Trabalhou pela Lei da Politica Nacional de Resíduos Sólidos e teve participação ativa na construção do Acordo Setorial de Embalagens, que determina as obrigações ambientais dos fabricantes de bens de consumo.
Entre em contato pelo e-mail hermes@enquadro.etc.br